Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos...

"Se todas as cores fossem iguais, não haveria arco-íris"
Rafael Rodrigues
(pelo menos até onde eu sei ninguém famoso disse isso)



Sendo o membro (quase) declaradamente ateu do blog, achei que seria pertinente nesta semana da consciência discorrer sobre um assunto que é um dos meus objetos de estudo, tanto no âmbito pessoal quando no acadêmico: Religião.


Para falar sobre o assunto, eu vou evocar uma grande amiga minha que é Bióloga mas, graças às maravilhas de nosso sistema de ensino, precisa fazer as vezes também de professora de religião, que categoricamente inicia as aulas com a seguinte declaração: Existem dois princípios fundamentais que vocês devem conhecer desde agora: Em relação à religião, vocês tem um direito fundamental e um dever fundamental.

Todos os brasileiros, sem exceção, tem o direito de possuir e professar sua religião, caso seja assim sua vontade. Isso não é apenas um direito moral ou social, é um direito legislativo, ou seja, a liberdade de possuir uma religião é protegida por lei, mais precisamente pela Lei nº 16/2001 de 22 de junho. Isso significa que preconceito contra religião também é crime, previsto em lei. Assim, se o Rafael Rodrigues acredita firmemente no Monstro Espaguete Voador, ele tem todo o direito de dizê-lo, deixar isso claro e não ser ridicularizado por isso. Quer dizer, mais ou menos.

Eu acho (agora como opinião puramente pessoal) que existe um abismo de diferença entre ter uma religião e acreditar em algo indiscriminadamente. Do meu ponto de vista, que é de certa forma um ponto de vista “didático”, exercer uma religião é ter um conjunto de normas e rituais que fazem sentido para a pessoa, e da qual esta se dedica de forma profunda. Todos temos nossos rituais diários (eu por exemplo caminho 40 minutos a pé todos os dias para ir trabalhar, não para fazer exercício, mas para “sentir” o que acontece no mundo ao meu redor) e nossas normas de conduta (fico profundamente irritado quando as pessoas não seguem regras simples, como parar no sinal vermelho), mas no caso da religião estes elementos são, além de mais sistematizados e organizados, também tem um objetivo transcendental/metafísico. Independente de conceitualização, ter uma religião é, em suma, decidir a maneira que você quer viver sua vida. E quem sou eu para dizer como uma pessoa deve viver sua própria vida?

Tem pessoas que não pensam muito nisso e se limitam a viver seu cotidiano acreditando em algo mais vago. Este, me parece, é o status de muitas pessoas atualmente, que se encaixam nas que na verdade não tem uma religião. É como eu sempre digo: não é porque você foi batizado quando criança que você é católico. Para mim, se você não pratica a religião, não faz parte dela.

Então é bom deixar claro que me refiro àqueles que levam a religião como um modo de vida, como o caminho que elas decidiram seguir e os instrumentos e veículos que elas decidiram usar para trilhar este caminho. E isso é algo que deve ser respeitado e é o que está protegido por lei.

Por isso todos os brasileiros, sem exceção, têm também o dever de respeitar a crença alheia, já que o contrário fere exatamente a lei que também protege a sua religião. Além, é claro, de ser um consenso geral de que o respeito para com o outro é uma atitude moral e socialmente correta. Ou seja, não adianta você ficar defendendo que pode gritar uma vez por semana no seu culto e querer impedir que uma casa de umbanda seja inaugurada ao lado da sua. Se a lei vale para um, deve valer para todos, sem exceção.



Aqui cabe uma distinção que eu considero muito importante. Toda discussão saudável é válida. Quem lê o Uarévaa há um tempo e ouve os podcasts sabe que tenho um gênio difícil e sou bastante incisivo em minhas opiniões (além de ser quase patologicamente verborrágico – só perco para o Alex Matos), além de ser um crítico da religião (de fato, mais de como as pessoas interpretam a religião do que da religião propriamente dita). É o meu jeito, mas mesmo assim, vocês nunca me verão censurar ou ofender alguém porque disse algo que eu não concordo ou porque “ganhou” (se é que existe isso, acho que todos ganham no caso de) uma discussão.

Eu digo isso porque defender uma ideia, um argumento ou uma crença é muito diferente de ofender quem não pensa como você. Eu sei que muitas vezes a linha é muito tênue; as pessoas, em sua quase totalidade, tendem a levar discussões ideológicas para o lado pessoal. Eu já fui muito assim e hoje tenho sido cada vez menos. É uma batalha interior eterna, mas necessária, entender que a pessoa não está atacando você; ela está, sim, defendendo o que acredita. Assim como você.

Somos seres humanos. Erramos. Mas é preciso ter responsabilidade para admitir seu erro, e capacidade de discernimento para distinguir uma palavra mal-interpretada de uma ofensa genuína se quisermos viver em uma sociedade melhor. Se queremos encher a boca para dizer que somos superiores aos outros animais, devemos agir como tal e fazer por merecer. Não importa se você acredita que está agindo de acordo com uma lei superior, o fato é que, até você morrer, o que vale são as leis dos seres humanos e uma boa convivência em sociedade é o melhor a se fazer, pois todo mundo ganha. Devemos ser respeitados e exigir respeito, sim, mas também devemos ser tolerantes. Nem todo mundo tem o mesmo background cultural que a gente, nem passou pelas mesmas coisas, nem aprendeu as mesmas coisas. Conversar com alguém que tem uma opinião diferente é, certamente, conhecer outro ponto de vista sobre a vida, é ver que nem todo mundo, mesmo passando por situações semelhantes no seu caminho, chega às mesmas conclusões que você e, portanto, é bom repensar no caráter absoluto de suas opiniões. E se estas são inabaláveis, que sejam pelo menos humildes o bastante para coexistir lado a lado com outras, sem hierarquias.

Não é achando que nosso kung fu é melhor que o do outro só porque é nosso que vamos melhorar o mundo, e sim percebendo que, não importa quais sejam as respostas para as grandes perguntas, vamos estar sempre mais próximos de respondê-las se procurarmos juntos, mesmo que cada um contribuindo a seu modo.

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