Crise Final: Uma Análise - Parte 2


Na edição anterior, Grant Morrison iniciou sua visão do mundo super-heroístico da DC Comics enchendo-o de simbolismos, mistério e auto-referencias. Nessa edição ele cai em mais alguns conceitos interessantes pouco explorados nas histórias da editora e no próprio universo sci-fi de heróis de colante. 

Edição 2:
O Armageddon bate as nossas portas
"Nós salvaremos o mundo da nossa maneira"

Uma das coisas que sempre reclamei, e ouvi outros reclamando, nas histórias de super-heróis no geral, independente de editora, é o monopólio dos Estados Unidos da América com esses personagens. Tudo sempre acontece lá, só conhecemos o mundo “do olhar para o próprio umbigo” deles, mesmo em uma sociedade cada vez mais multicultural e interconectada. Morrison nessa edição já inicia com um pé na porta, mostrando todo um mundo novo dos super-heróis japoneses.

Até emulando uma linguagem mangaká, com cenas entrecortadas diagonalmente, o autor nos coloca dentro de um universo repleto de cores, movimento, agitação e uma típica noite de balada superheróica em um clube, até me lembrou um pouco o filme Wasabi. Logo, vemos os novos grandes heróis locais, o Super Time Jovem (de dia salvando a cidade e a noite bebendo e dançando em um bar de heróis), lidando com a repercussão de suas atividades – um breve confronto de gerações (novo x velho) que acho que o Morrison tendencia para o novo – e a puerilidade de confrontos metahumanos nesse universo. É o escocês colocando em xeque a, que já nos parece eterna, onda de lutas em cima de lutas, sem nenhum sentido, dentro dos quadrinhos.


Outro ponto interessante ainda nessa parte da história é a colocação de uma personagens coadjuvante que expressa um pensamento bem morderno, adaptado para esse mundo cool de superseres: 
Toda a minha vida eu esperei ser uma atração. A transformação do Homem em propaganda. Espírito dentro do brinquedo. Quando ele entenderá que ser fantástico é um superpoder em si mesmo.
Eu só consigo ler isso como uma critica, ou simples exposição de uma realidade, a cultura que vinga muito nos tempos atuais de celebridades, exposição pessoal a todo custo, em se tornar uma propaganda ambulante de si mesmo, ainda mais com o mundo  online e as tais redes sociais. O autor retrata uma nova geração, a mesma que vai a boates como a da história, se veste com símbolos de ídolos, muitas vezes querem ser que nem eles, e, assim, na minha opinião, perdem até sua própria identidade. 

Então, chegamos a Shilo Norman. Em Sete Soldados da Vitória, em uma história que na época não fazia sentido nenhum para quem lia (tá, ainda nem faz tanto hoje em dia), Normam nos surge como um antigo substituto de Scott Free como o herói escapista Senhor Milagre. Com Crise Final, podemos intuir que o ocorrido em Sete Soldados foi algo passado após a Guerra entre os Deuses do Quarto Mundo e antes de Crise, ou uma simples realidade futura acessada pelo personagem de alguma forma. Nessa edição, ele aparece em Tokyo como um tipo de milionário, com ares de policial de filme antigo (afinal, a banca, roupa e até a forma de mostrar a caixa materna não lembra alguém se apresentando como oficial?), buscando reunir supers japoneses, o que só no futuro descobriríamos o porque.


O interessante de ver Shilo como uma versão de policial, é perceber como a saga tem esse ar de mistério não só na busca de solucionar um assassinato, mas também em relações autoritárias. Com a chegada dos Lanternas Alphas (criação também de Morrison dentro das histórias dos Lanternas Verdes, tipos de supervisores dos xerifes espaciais) vemos um típico embate de jurisdição que sempre vemos em seriados televisivos investigativos, como CSI, Lei e Ordem, etc., achei bem pertinente e até uma forma de tornar reconhecível algo para um público que também deve ver esse tipo de série.

Mais uma coisa legal na aparição dos Lanternas Alphas, em especial a Lanterna Kraken, é a informação de como funciona o corpo dos Novos Deuses: “O corpo de um Deus é em maior parte energia, se sublima sem um sinal”. Isto é, ele após morto, retorna para a Fonte e se torna novamente energia cósmica, uma possível analogia de Morrison ao que ele pensa que acontece com nossa essência após a morte.

“Nós somos armas falantes dos Deuses"
Wally West

Ainda no ponto das analogias, ressalto o caso Bludhaven. A cidade, antes morada de Dick Grayson como Asa Noturna, foi destruída quando um vilão nuclear foi jogado de um avião e, literalmente, explodiu o local, deixando pessoas com mutações bizarras, assim, a cidade virou um deserto nuclear e um problema a ser resolvido pelas autoridades. E é lá, nesse inferno na Terra, que Morrison posiciona o QG de recuperação dos Deuses de Apokolips. Como não vermos, primeiramente, toda uma relação com os atentados sofridos pelos Estados Unidos e pelo mundo afora? Mas, indo mais longe, como não conectar essa opção do autor com uma ideologia bem pertinente: onde existem zonas de guerra, discórdia e destruição, é lá que o grande mal está!

Ainda sobre esse ponto,  vemos um tipo “easter egg” curioso: o mesmo Padre que na edição anterior falava sobre o fim do mundo e como a salvação estava distante, agora aparece bradando:

O resto da edição é mais uma peça de movimentação da história. Temos um Hal Jordan sendo preso pelos Lanternas Alphas acusado de assassinar Órion e tentar matar John Stewart, numa rememorização dos tempos de Parallax e Zero Hora; um Batman sendo atacado e seqüestrado por Kraken, dominada pela Vovó Bondade – e mais uma vez um clichê básico de histórias de mistério: o traidor dentro do grupo de mocinhos.

Além disso, um ataque ao Planeta Diário, onde Lois Lane fica gravemente ferida (e surge a desculpa para o Superman ser desviado da linha principal de eventos, um roteirismo, já que o Super sozinho resolveria alguns pontos futuros da guerra que se aproxima). E por último, o primeiro momento polêmico da saga: O retorno de Barry Allen, o homem tido com morto em Crise nas Infinitas Terras retorna para de fato conectar essa Crise Final como uma continuação da outra. 

Olha, sinceramente, e pelo que se vê no decorrer da história, acredito que o Morrison não queria isso e foi imposto pelos superiores, já que era o grande evento do ano e tinham essa vontade de trazer o Barry de volta, então, porque não juntar os dois. É controverso, ainda não gosto da idéia.

A única forma que o Morrison pensou de encaixar isso foi fazendo-o ressurgir saindo da Poltrona Mobius de Metron, um artefato que aparenta ter propriedades de transitar entre dimensões, e ainda criando um plot do velocista estar tentando segurar/impedir uma bala lançada através do tempo. A mesma bala que descobrimos ser a que acertou Órion e se fixou no concreto do cais do porto cinqüenta anos antes do fato.

Um fato curioso é que quando Barry retorna, além de acompanhado da bala, quem o persegue é o Corredor Negro, a personificação da morte de acordo com os conceitos criados por Jack Kirby para o Quarto Mundo. Tal fato é bem coerente até não é? Barry não morreu na primeira Crise, sobreviveu de alguma forma (só explicada em Flash Renascimento) correndo fugindo da própria morte. Uma idéia muito legal, pelo menos para mim.

E, assim, chegamos ao final da segunda edição de Crise Final, mais uma peça do xadrez posta antes da grande jogada do lado negro do tabuleiro!

No próximo post: a investida do mal contra o mundo e a aliança do Rei Branco e suas peças.

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