“Cego: 1. Privado da vista. 2. Alucinado, transtornado.”
Dicionário Aurélio
È muito bom quando podemos falar sobre cinema, ainda mais sendo um apaixonado por essa arte, como uma forma de expressão sensorial, daquelas que nos tocam em todos os sentidos, tanto físicos como espirituais. E foi dessa forma que pensei em cinema ao terminar de assistir o novo filme de Fernando Meireles: Ensaio Sobre a Cegueira, (Blindness, 2008) baseado em livro homônimo de José Saramago.
Falar da qualidade como contador de histórias de Saramago seria chover no molhado, mas também não posso me atrever a falar disso, pois não li nenhum livro dele ainda, mesmo tendo recebido indicação de leitura em meados de 2003 quando nem se sonhava em fazer um filme de uma obra dele, mas dá para notar no roteiro de Meireles a qualidade do que o Português escreve: È tocante, minimalista, sem ser superficial.
O filme é fantástico, podem os críticos reclamarem quanto quiserem, até um “mas por que não inventaram a cura” e uma possível resposta de Meireles dizendo “isso não é Eu Sou a Lenda, é uma metáfora” li pela internet. Para mim, foi como um chamado a me envolver mais na atividade de ver um filme, de analisá-lo com outros olhos, muitas vezes me pegava eufórico com os jogos de luz em excesso ou os sons cobrindo um breu em nossos olhos. Acho que uma dos grandes méritos da obra é essa: não simplesmente passar para a tela uma história, mas tentar provocar algo em quem a assiste, tentar ir além de um simples reprodutor ou mediador de algo já escrito, mas criar uma experiência impar ao seu público, nos transportar para um mundo de cegos, perdidos depois de tanto tempo enchergando, mas, ao mesmo tempo, não vendo nada. E nesse ponto me remeto ao papel de Julianne Moore no filme e o velho ditado de que “em terra de cegos quem tem um olho é rei”, nesse caso penso que quem tem dois olhos é condenado.
A personagem, única com visão perfeita na história, se vê num caminho, tanto auto-imposto como depois conseqüência mesmo, de ser a guia, a segurança daqueles que não conseguem mais enxergar, porém, aos poucos, ela começa a perceber que essa condição também a lhe prende a ver toda a miséria da condição humana e ter que fingir perante isso, até não suportar mais e dar um “grito” (no caso algo mais fatal) de revolta. É uma situação complicada lidar com a alma humana e suas mazelas, será que as coisas são como dizem: quando se está na lama que podemos conhecer o ser humano? E será que assim como os personagens do filme, só damos valor as coisas quando não a vimos? Ai poderia estar à resposta para a ânsia pela saudade que existe muito nessa geração, que mesmo com internet adora dizer que está com saudades até de quem está perto?
Enfim, como o Meireles possivelmente falou, esse filme é uma metáfora para a condição humana, adoro obras assim (sejam em quadrinhos, cinema, livros, TV), e acho que é importante se emocionar com um cinema bem feito, instigante, que nos apaixone e dê vontade de ver um filme várias vezes, esse ano só dois filmes me passaram essa sensação: The Dark Kinght e o Ensaio de Saramago. Mais do que recomendado.
Por Jack Starman