Sem Mais Mutantes



Em 1963 era publicada X-Men #1, trazendo as aventuras de um grupo de super-heróis criados por Stan Lee e Jack Kirby. Diz a lenda que como Stan não tinha mais idéias para origens ligadas a ciência, como em Spiderman e Hulk, por exemplo, o hoje velhinho boa praça pensou “porque eles já não nascem com esses poderes?” e, assim, gerou uma raça mutante que por serem possivelmente o futuro da raça humana era caçada e temida. Um símbolo metafórico para a própria realidade de nosso mundo, contudo, esse caráter simbólico forte do grupo foi se perdendo com o passar do tempo.

Nunca fui um leitor tão assíduo da equipe, o que vi das suas fases clássicas pré-anos 90 foi em reencadernações e “de falar”, porém, sempre conheci como os escritores com o passar dos anos utilizaram os personagens para passar mensagens ligadas a problemas reais, levando-os a serem o grupo por natureza das minorias. 

Nascidos em pleno os anos 60, época de mudanças contra culturais profundas e de luta por direitos de minorias, os X-Men de Lee e Kirby logo se tornaram também símbolo de representação nos quadrinhos dos conflitos ideológicos existentes na época e assim se seguiu com o passar dos anos, agregando a discussão de racismo e a questão da homofobia, com a inserção do Vírus Legado, uma doença aparentemente incurável que, a princípio, só afetava mutantes, em uma metáfora ao vírus da AIDS.

Com o passar de décadas, as minorias mesmo ainda sendo discriminadas se tornaram mais fortes em sua luta e tiveram grande ganhos sociais, gerando até culturas próprias em torno de si – em forma de linguagem, vestuário, música, etc. Vendo que esse potencial simbólico dos Filhos do Átomo ainda podia ser mais explorado, no inicio dos anos 2000 o escritor Grant Morrison criou os seus Novos X-Men, e junto com outros autores, como Peter Milligan em X-Statix, transformou os mutantes em uma subcultura dentro do Universo Marvel. Agora tínhamos cantores, estilistas, celebridades e formadores de opinião mutantes, até uma parte de Nova York era denominada Distrito X, por ser localidade repleta de mutantes. Mais uma vez os X-Men se referenciavam a uma realidade atual de forma bem orquestrada.

Infelizmente, com a saída de Morrison da Marvel a editora preferiu resetar tudo o que ele tinha feito e os personagens voltaram a ser heróis de colantes, deixando um enorme potencial a ser desbravado e interconectado com nosso mundo de lado. A coisa piorou ainda mais com a saga Dinastia M, onde ao seu fim a mutante Feiticeira Escarlate altera mais uma vez a realidade ao dizer as palavras “no more mutants”, reduzindo a população mutante para menos de 200 no mundo todo. Claro que a Marvel tinha em proposta trazer a equipe de volta a seu status de perseguida e minoria com o qual se firmou, porém, para mim, já era tarde demais. Grant Morrison tinha jogado essa idéia para o espaço e ela já não funcionava mais dentro do contexto de nosso mundo contemporâneo.

Entenda bem, não estou dizendo que não existam mais minorias sendo perseguidas mundo afora – não só vemos isso no nosso dia a dia quanto em países de culturas ditatoriais que não só perseguem mais matam minorias – porém, é fato também que os direitos para essa classe sempre tão discriminada continuam a cada dia sendo mais fortalecidos. Os movimentos dessas minorias hoje em dia já são mais combativos e tem ganhos reais – a legalização do “casamento” homoafetivo é um bom exemplo de ganho real recente.

Minha pergunta é: o que os mutantes da Marvel representam de fato hoje em dia? E eles conseguem se firmar como simples super-heróis sem sua carga ideológica que os acompanhou por tanto tempo? 

Eu não acredito muito. 

O que vemos são só infrutiferas tentativas feitas nos últimos anos para tentar retomar a força que a equipe tinha: Complexo de Messias, Genese Mortal, Guerra do Messias, Utopia, Nação X, Necrosha, Segundo Retorno, Era do X (que já retoma a idéia criada na Era do Apocalipse dos anos 90, mostrando uma realidade alternativa onde existe de fato uma guerra entre humanos e mutantes).

Na minha humilde opinião de leitor casual dos pupilos de Xavier, os X-Men estão perdidos em si mesmo e, assim, ficam perdidos como símbolos, como representação da realidade mesmo que de uma forma hiperbólica, caricatural e ficcional, como toda história em quadrinhos do gênero super-herói também é (mas isso já é outro post). 


Tal situação com os mutunas sempre me faz lembrar um pensamento que tenho: Talvez em um mundo onde só existissem mutantes e não também pessoas com superpoderes, como Quarteto Fantástico e Vingadores, se poderia sim fazer um trabalho mais adequado, explorando até uma guerra de verdade, afinal sempre fico esperando a tal “guerra final” de Magneto contra a Humanidade. Mas ai, entramos na velha questão de cronologias, periodicidade e blá, blá, blá que entrava em muito a criatividade dentro dos quadrinhos.

Fico pensando se não seria de fato mais saudável e justo a extinção de vez dos mutantes, pelo menos os criados por Lee e Kirby nos anos 60, deixar de lado toda uma geração de heróis e passar o legado ou simplesmente ficarmos “sem mais mutantes”. É, sei, sonho meu.

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