Crise Final: Uma Análise


Em 1986 a DC Comics lançava nas bancas a megasaga conhecida como Crise nas Infinitas Terras, buscando organizar sua cronologia. A partir daí de tempos em tempos a editora encontra algum pretexto para colocar em suas capas o nome “Crise” e criar uma saga para ganhar uma boa grana em cima. Com esse estigma chegou ao Brasil em 2009 Crise Final, alardeada como a crise para acabar com todas as crises. 

Muitos até hoje torcem o nariz para a saga, muito também por conta de Dan Didio e seu exagero – transformando algo pensado por Morrison para somente os Novos Deuses em uma Crise - chegando a dizer que não entenderam nada, mas, para mim, o que Morrison fez foi mais do que uma batalha entre superseres, mas sim uma simbologia sobre religião, quadrinhos, humanidade e outras pequenas coisas.Começo neste post uma série com a proposta de expor algumas idéias colocadas, a meu ver, pelo autor e que podem passar despercebidas por uma analise menos observativa.

Obs.: O exposto é minha pura opinião, não querendo dizer estar certo ou que todo mundo deva concordar. Alias, recomendo também uma olhada em outro ponto de vista, mais completo até, no Multiverso DC.

Edição 1: 
Quando os Deuses descem a Terra

“Se você me perguntar, o fogo foi nosso primeiro erro”

A premissa básica é bem simples e funcional: “O que acontece em um mundo onde o bem perdeu sua batalha eterna contra o mal?”. O bem nesse caso representado pelos Novos Deuses de Nova Gênese, criações de Jacky Kirby, e o mal por Darkseid e seus soldados de Apokolips. Depois de inúmeras batalhas entre os dois mundos o Deus maligno finalmente venceu e extinguiu seus inimigos, porém, também foi ”machucado” tendo que assumir uma forma humana – a qual se denominou Chefão Lado Negro, ou Dark Side – assim como outros seres ao seu lado na guerra. Uma vez derrotado os Deuses de Nova Gênese, o próximo passo do vilão é controlar a equação antivida e espalhá-la pela Terra, transformando o planeta em seu novo lar e, então, dominar todo o universo. 

Morte é o tema central de toda a saga, e ainda mais dessa primeira edição. Logo nas primeiras páginas nos deparamos com Metron entregando a Anthro, um humano, o segredo sobre o controle do fogo e, assim, um Deus interfere pela primeira vez na história humana, para logo em seguida o humano usar o conhecimento para atacar e matar outros de sua espécie. A raça humana é tendenciada a violência, a usar o conhecimento como arma de poder. 

Em seguida, o aposentado (e antigo conhecido de leitores da editora) Detetive Turpin encontra o corpo do Deus Órion caído quase morto, enquanto investiga o desaparecimento de crianças. É uma seqüencia deveras impactante, afinal, mesmo no mundo dos quadrinhos, Deuses morrerem aos pés de um humano, ainda mais um que já está perto do fim de sua vida, não é algo banal no nível filosófico da coisa. É uma era de trevas, onde o Homem esquece seus Deuses e o conhecimento que eles lhe deram e buscam serem suas próprias divindades.

O caráter religioso, ou diria mais apocalíptico, não é só colocado na morte divina, mas também nos céus vermelhos – também referencia a Crise nas Infinitas Terras – e nos arautos do fim: o padre (que mais a frente se revela outra coisa) pregando o fim de tudo e na existência de um novo velho vilão: O Libra.

“Eu equilibro os pesos, eu igualo a chances”

Libra é um vilão que surgiu pela primeira vez numa revista décadas atrás onde enfrentava a Liga da Justiça, absorvendo seus poderes, e quando derrota os heróis se torna um tipo de ser cósmico para logo depois desaparecer no espaço. Morrison o trouxe de volta mostrando que depois de sua batalha contra a Liga ele foi parar em Apokolips e se tornou discípulo de Darkseid. O coloco como um tipo de padre satanista, ou ainda, o anticristo, a besta do apocalipse que dá a seus seguidores seus desejos, como ao vilão de quinta categoria que queria ver o Caçador de Marte morto. Pedido feito é pedido realizado pelo arauto do lado negro, e com uma lança (como um soldado romano em um Jesus crucifixado) trespassa o marciano o matando. 

Desnecessário? Talvez com o próprio Ajax (sempre irei chamá-lo assim) sim, já que existem tantos outros heróis para se matar, porém, ai vejo uma mensagem – bem colocada para mim pelo Rafael Rodrigues (ou Apontador Prateado) – sobre a própria banalidade que se tornou no mundo dos quadrinhos a morte de heróis, muitas vezes de formas estúpidas, por vilões novos, que logo são revogadas. Acho que a passeata de vilões, que é mostrada em uma página somente, reclamando da forma que são tratados pelos heróis ou é uma tiração de onda do Morrison ou um tipo de cutucada na forma que as autoridades tratam os criminosos – como se não fossem mais humanos, com direitos legítimos. 

“escravos atrofiados e mal formados”

Outro ponto iniciado por Morrison nessa edição é a utilização da tão perseguida equação antivida, a formula que Darkseid sempre procurou para controlar a existência e que já teve vários formatos ao longo do tempo (lembra-se de Odisséia Cósmica?). Em Crise Final não chegamos a saber como ele alcançou a tal equação, imagino que após derrotar Nova Gênese ficou mais fácil, só vemos ela em ação inicialmente em um grupo de crianças apresentadas ao detetive Turpin no Clube Lado Negro. 

Como toda a saga versa sobre o poder do mal e da morte, penso que o autor utilizou logo crianças como hospedeiros primitivos da equação numa alusão a como ela deturpa as coisas, ou seja, deturpando inicialmente a inocência e natural bondade infantil transformando-os em zumbis de puro instinto maléfico. E quem sabe, ainda podemos fazer um paralelo de como o Morrison vê a criação infantil nos tempos de hoje, onde os pais deixam a  cargo da tecnologia a educação de seus filhos, além de outras falhas educacionais e de vivencias mesmo, transformando-os em adultos sem grandes perspectivas ou alheios a realidade. Essa pequena cena já nos coloca o que virá mais a frente na saga.

Do meu ponto de vista, Crise Final #1 fala sobre quedas: dos Deuses perante o fim inevitável, dos humanos frente a violência e até, podemos dizer, de anjos conectados aos terrestres e por isso mesmo descartados por seus pares, ou como não comparar os Monitores, principalmente Nix Uotan que foi jogado na Terra por ter “falhado” e condenado a viver como um humano, com anjos celestiais? Enfim, a última crise é uma história recheada de simbologias dentro de uma guerra entre Deuses e Homens e como é preciso saber como encarar o mal. E essa batalha só está no inicio.

No próximo post: O multiculturalismo Morrisoniano e a essência dos Deuses.

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