A Ilha, Fernando Morais (1976)

Uaréview
Por Marcelo Soares

A bordo de um quadrirreatorilyushin-62 vendido pelaaerojlot àcubana de aviación (ainda com a marca soviética pintada na fuselagem) a aeromoça oferece, em lugar dos tradicionais jornais diários, um suplemento de 64 páginas sobre a vida do guerrilheiro camilo cienfuegos, um dos combatentes da sierra maestra, morto em 1960. estou a caminho de Cuba. (Fernando Morais)

Me impressiona ainda a mania das pessoas de terem uma opinião sobre tudo, até o que não sabem bem. Pior ainda, a pessoa não sabe sobre algo e ainda fala mal ou simplesmente cai num discurso senso comum. Onde vejo muito isso é sobre o comunismo e sua estátua-mor na América Latina: Cuba. Tirando a ideologia um pouco de lado, acho interessante saber como é a vida naquele país, mesmo que seja em um período determinado como acontece no livro A Ilha de Fernando Morais. Nele o autor relata o que apreendeu sobre o país de Fidel em uma visita de um mês e meio realizada em 1976.

Também autor de Chatô, Corações Sujos e Olga, Fernando Morais leva seu estilo de jornalismo literário de uma forma muito agradável de acompanhar, explorando nuances da vida da população cubana como educação, reforma agrária, economia, imprensa, cultura, justiça, saúde, estrutura, e, claro, a revolução comunista. A partir de entrevistas com moradores, autoridades, pessoas que convivem diariamente com ele, o autor traça um perfil de um país que em um pouco mais de uma década saiu de um estilo de vida para outro completamente diferente e que se viu em mudanças estruturais fortes rapidamente.

Fernando Morais
Deixando de lado o estigma de “comunistas que comem criancinha”, jogado em nossas cabeças desde sempre, e o de “salvadores do mundo perdido no capitalismo” que os comunistas de boteco universitário adoram propagar, o livro me trouxe uma visão que nunca tinha visto ainda sobre Cuba: a visão de quem vive lá e de quem chegou com um olhar de descoberta.

Lendo A Ilha, me vi com de frente a atitudes gerenciais do governo revolucionário de Fidel que penso até bem viáveis em outros países, claro que com suas devidas adaptações. Talvez, o que mais me impressionou foi o sistema de mutirões populares para construções, onde o governo dava a estrutura e o povo, reunido em grupos, construíam suas próprias casas.

O ministério da construção tentava diminuir as causas do problema, construindo conjuntos de casas e apartamentos, mas não havia mão de obra suficiente para a construção civil. A solução adotada, a partir de 1969, foi a formação de grupos especiais para prestar serviços na construção. O estado forneceria material, terreno, arquitetos e engenheiros. e de cada local de trabalho seria deslocado um certo número de funcionários para trabalhar na construção dos conjuntos habitacionais. A idéia, lançada pelo próprio Fidel Castro num congresso nacional dos trabalhadores cubanos, determinava também que as casas construídas pelos grupos especiais seriam distribuídas entre os trabalhadores da repartição, da indústria, do local que fornecesse a mão de obra. naquele momento estavam nascendo as microbrigadas. 
 Mas, claro, Morais não só fala das coisas boas criadas nessa Cuba socialista. No último capitulo do livro ele aborda o que chama de “a revolução onipresente”, um fenômeno que coloca outdoors venerando heróis de guerra e agrupamentos de moradores para vigiar possíveis atividades antirevolucionárias, isto é, contrárias ao governo, auto-intituladas comitês de defesa da revolução (CDR).

Todos os locais de trabalho estão sempre guardados por trabalhadores. em cada seção e cada departamento há uma escala mensal de plantões (que inclui até os funcionários mais graduados), em que se determina quem vai tomar conta dos prédios aos domingos e durante a noite, todos os dias. Perguntei contra quem se dirige esse esquema defensivo, e um funcionário do instituto cubano de radiodifusão respondeu: 
— o pior talvez já tenha passado, mas só quem sofreu tantas agressões como nós sabe que a vigilância é indispensável. e o grande inimigo não mudou de endereço. continua morando a 90 milhas de cuba. 

Edições mais recentes do livro trazem consigo um extra onde o autor desembarca novamente em Cuba e faz uma descrição dos efeitos causados pela queda da União Soviética. Dessa vez ele encontrou uma Cuba destroçada e envelhecida, onde as novas gerações já foram contaminadas pelo consumismo. 

A Ilha é um livro importante para quem como eu gosta de saber mais de uma versão sobre as coisas e entender o que um país poderia ter sido e não se tornou, um retrato de como boas idéias se perdem no meio de lutas ideológicas e ecnonômicas e que por trás de grupos politicos existe um país com vida, pessoas e sonhos.

Título: A Ilha
Editora: Companhia das Letras
Autor: Fernando Morais
Número de páginas: 232 
Preço: Variado

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