No post anterior:
De uma maior liberdade criativa dada a um grande autor nasce o obscuro Questão, um sinistro e impiedoso vigilante com convicções inabaláveis e idéias filosóficas, em plenos anos 60. Duas décadas depois, o Questão é redescoberto e serve de base para um personagem crucial numa das mais aclamadas estórias de super-heróis (o Rorschach de Watchmen).
“Enquanto isso, na banda desenhada...” é uma seção que traça um paralelo entre o universo real e o mundo dos quadrinhos, analisando como as duas realidades afetam uma à outra, trazendo informação e estimulando a reflexão acerca dessa 8ª arte.
No início de 1987, enquanto Watchmen ainda vinha sendo publicada, Denny O'Neil iniciou o primeiro (e até hoje, único) título próprio do Questão, pela DC, mas ao invés de tentar capitalizar em cima da repercussão que a “cópia hardcore” do Questão original vinha tendo, apontou acertadamente numa direção diferente. O autor responsável pela introdução de temas sociais e políticos nos comics através do título Lanterna/Arqueiro Verde e pelo resgate do Batman à suas origens após a ridicularização do herói graças a série de TV dos anos 60, apostou numa mudança de postura no Questão e uma abordagem reconhecida como precursora dos comics adultos.
Se o Questão original enxergava o mundo numa dicotomia de bem e mal, certo ou errado, sem meio termo, O`Neil deu uma virada na vida do personagem, fazendo ele passar por um processo de renascimento e iluminação dentro da filosofia Zen Budista. Mudanças drásticas de personalidade não são nenhuma novidade nos comics e, infelizmente, por vezes se dão bruscamente e sem explicação quando roteiristas ignoram o passado do personagem pra impor o que eles querem fazer.
Só que O`Neil simplesmente não faria algo assim: Na primeira edição vemos o Questão atuando nos mesmos moldes de sempre, com uma certa ênfase numa postura auto destrutiva, mas basicamente é o Questão original. O´Neil acrescenta algumas coisas ao passado do herói sem precisar reescrever sua origem ou invalidar as estórias feitas por Ditko, jogada de mestre. Ao final da primeira edição, o Questão é assassinado e, na seguinte, o vemos ser resgatado das garras da morte e iniciar um renascimento interno, revendo sua visão de mundo e se aprimorando nas artes marciais, treinado pelo mestre Richard Dragon.
O título do Questão por Denny O`Neil (com desenhos de Denis Cowan), em que ele enfrentava o crime em Hub City, a "cidade mais corrupta dos Estados Unidos", cujo índice de criminalidade superava inclusive Gotham City, durou por 36 números e mais alguns especiais. Depois o Questão apareceu esporádicamente em estórias de outros personagens, sendo a mais relevante uma mini série da Caçadora, escrita por Greg Rucka e não publicada por aqui, em que ele tenta ajuda-la, da mesma forma que um dia foi ajudado, a se encontrar no mundo.
Em 2005 ele ganha uma mini série em 6 edições, tambem não publicada aqui, escrita por Rick Veitch e desenhada por Tommy Lee Edwards, com uma abordagem totalmente nova. Esqueça uns 80% do que voce sabe do Questão e introduza: o herói como um xamã urbano que “conversa com a cidade” (nessa série, a cidade de Metrópolis), a frustração de um plano de Lex Luthor contra o Super Homem, flertes com Lois Lane, o gás binário como um alucinógeno, transes em que ele “anda entre dois mundos” e por ai vai... Vale pela curiosidade, mas da mesma forma que essa versão apareceu do nada, sem explicação, também se foi, sem explicação, totalmente ignorada quando o Questão reapareceu na série 52.
52 foi uma série da DC centrada em alguns personagens antes secundários ou terciários da editora e o Questão estava entre eles. Por inovar tendo uma periodicidade semanal, a série contou com vários roteiristas, cada um escrevendo um núcleo de personagens, e Greg Rucka escreveu a parte que tratava do Questão (e da ex-policial Renee Montoya), retomando o perfil do vigilante desenvolvido por O´Neil e já escrito por ele na mini série da Caçadora.
Renee Montoya, personagem surgida na série animada do Batman e depois incluida nos quadrinhos, era uma policial de Gotham que Rucka “adotou” e desenvolveu na DC durante a aclamada série Gotham Central (publicada aqui como Gotham City contra o Crime). O arco de estórias mais famoso e premiado dessa série foi justamente um que Montoya protagoniza e onde sua homosexualidade é exposta a todos pelo vilão Duas Caras.
Em 52, Vic Sage aparece na vida de Rennee Montoya após ela ter perdido seu parceiro policial (Crispus Allen) e saído da polícia, por reconhecer nela um comportamente auto destrutivo semelhante ao que ele mesmo tinha antes de seu “renascimento zen”. Vic, na verdade, tinha intenção de que ela assumisse seu lugar como Questão após sua inevitável morte, pois estava com câncer no pulmão. Tudo isso só fica claro próximo ao final da série que mostrou muito bem essa passagem do manto e deu uma nova direção a Montoya, uma ótima personagem que estava sem uso após o fim de Gotham Central.
E, infelizmente foi esse o fim de Vic Sage, morte por câncer durante a série, mas A Questão continua.. Montoya foi também treinada por Richard Dragon e teve, após o fim de 52, uma mini série (já resenhada aqui) e participação ativa na saga Crise Final. Hoje ela segue regularmente em estórias secundárias (curiosamente o mesmo formato em que o Questão de Ditko começou) na revista Detective Comics.
A seguir: O guarda costas...
De uma maior liberdade criativa dada a um grande autor nasce o obscuro Questão, um sinistro e impiedoso vigilante com convicções inabaláveis e idéias filosóficas, em plenos anos 60. Duas décadas depois, o Questão é redescoberto e serve de base para um personagem crucial numa das mais aclamadas estórias de super-heróis (o Rorschach de Watchmen).
“Enquanto isso, na banda desenhada...” é uma seção que traça um paralelo entre o universo real e o mundo dos quadrinhos, analisando como as duas realidades afetam uma à outra, trazendo informação e estimulando a reflexão acerca dessa 8ª arte.
Curiosidade mata...
No início de 1987, enquanto Watchmen ainda vinha sendo publicada, Denny O'Neil iniciou o primeiro (e até hoje, único) título próprio do Questão, pela DC, mas ao invés de tentar capitalizar em cima da repercussão que a “cópia hardcore” do Questão original vinha tendo, apontou acertadamente numa direção diferente. O autor responsável pela introdução de temas sociais e políticos nos comics através do título Lanterna/Arqueiro Verde e pelo resgate do Batman à suas origens após a ridicularização do herói graças a série de TV dos anos 60, apostou numa mudança de postura no Questão e uma abordagem reconhecida como precursora dos comics adultos.
Se o Questão original enxergava o mundo numa dicotomia de bem e mal, certo ou errado, sem meio termo, O`Neil deu uma virada na vida do personagem, fazendo ele passar por um processo de renascimento e iluminação dentro da filosofia Zen Budista. Mudanças drásticas de personalidade não são nenhuma novidade nos comics e, infelizmente, por vezes se dão bruscamente e sem explicação quando roteiristas ignoram o passado do personagem pra impor o que eles querem fazer.
Só que O`Neil simplesmente não faria algo assim: Na primeira edição vemos o Questão atuando nos mesmos moldes de sempre, com uma certa ênfase numa postura auto destrutiva, mas basicamente é o Questão original. O´Neil acrescenta algumas coisas ao passado do herói sem precisar reescrever sua origem ou invalidar as estórias feitas por Ditko, jogada de mestre. Ao final da primeira edição, o Questão é assassinado e, na seguinte, o vemos ser resgatado das garras da morte e iniciar um renascimento interno, revendo sua visão de mundo e se aprimorando nas artes marciais, treinado pelo mestre Richard Dragon.
O título do Questão por Denny O`Neil (com desenhos de Denis Cowan), em que ele enfrentava o crime em Hub City, a "cidade mais corrupta dos Estados Unidos", cujo índice de criminalidade superava inclusive Gotham City, durou por 36 números e mais alguns especiais. Depois o Questão apareceu esporádicamente em estórias de outros personagens, sendo a mais relevante uma mini série da Caçadora, escrita por Greg Rucka e não publicada por aqui, em que ele tenta ajuda-la, da mesma forma que um dia foi ajudado, a se encontrar no mundo.
Em 2005 ele ganha uma mini série em 6 edições, tambem não publicada aqui, escrita por Rick Veitch e desenhada por Tommy Lee Edwards, com uma abordagem totalmente nova. Esqueça uns 80% do que voce sabe do Questão e introduza: o herói como um xamã urbano que “conversa com a cidade” (nessa série, a cidade de Metrópolis), a frustração de um plano de Lex Luthor contra o Super Homem, flertes com Lois Lane, o gás binário como um alucinógeno, transes em que ele “anda entre dois mundos” e por ai vai... Vale pela curiosidade, mas da mesma forma que essa versão apareceu do nada, sem explicação, também se foi, sem explicação, totalmente ignorada quando o Questão reapareceu na série 52.
52, as semanas que mataram Vic Sage
52 foi uma série da DC centrada em alguns personagens antes secundários ou terciários da editora e o Questão estava entre eles. Por inovar tendo uma periodicidade semanal, a série contou com vários roteiristas, cada um escrevendo um núcleo de personagens, e Greg Rucka escreveu a parte que tratava do Questão (e da ex-policial Renee Montoya), retomando o perfil do vigilante desenvolvido por O´Neil e já escrito por ele na mini série da Caçadora.
Renee Montoya, personagem surgida na série animada do Batman e depois incluida nos quadrinhos, era uma policial de Gotham que Rucka “adotou” e desenvolveu na DC durante a aclamada série Gotham Central (publicada aqui como Gotham City contra o Crime). O arco de estórias mais famoso e premiado dessa série foi justamente um que Montoya protagoniza e onde sua homosexualidade é exposta a todos pelo vilão Duas Caras.
Em 52, Vic Sage aparece na vida de Rennee Montoya após ela ter perdido seu parceiro policial (Crispus Allen) e saído da polícia, por reconhecer nela um comportamente auto destrutivo semelhante ao que ele mesmo tinha antes de seu “renascimento zen”. Vic, na verdade, tinha intenção de que ela assumisse seu lugar como Questão após sua inevitável morte, pois estava com câncer no pulmão. Tudo isso só fica claro próximo ao final da série que mostrou muito bem essa passagem do manto e deu uma nova direção a Montoya, uma ótima personagem que estava sem uso após o fim de Gotham Central.
E, infelizmente foi esse o fim de Vic Sage, morte por câncer durante a série, mas A Questão continua.. Montoya foi também treinada por Richard Dragon e teve, após o fim de 52, uma mini série (já resenhada aqui) e participação ativa na saga Crise Final. Hoje ela segue regularmente em estórias secundárias (curiosamente o mesmo formato em que o Questão de Ditko começou) na revista Detective Comics.
Epílogo: Curiosidades
- A versão mais popular do Questão na verdade é a que aparece em alguns episódios do desenho Liga da Justiça sem limites. Na animação, características e referências de várias fases do herói foram sábiamente dosadas, fazendo dele uma espécie de "versão super herói" do agente Fox Mulder de Arquivo X.
- Na edição 17 da série escrita por O´Neil, Vic Sage aparece lendo Watchmen e se interessa pelos métodos de Rorschach, chegando a tentar emular seu estilo de combate ao crime. Infelizmente, isso não dá muito certo e, prestes a ser morto por um criminoso por ter tentado agir como Rorschach, o Questão diz, como suas "últimas palavras" que "Rorschach sucks".
- Recentemente, durante a saga Blackest Night, alguns antigos títulos da DC foram "ressurrectos" por uma edição. Assim, houve uma edição 37 da antiga série do Questão, em que Renee Montoya enfrenta uma "versão zumbi" de Vic Sage. A estória foi escrita em conjunto entre Denny O´Neil e Greg Rucka.
- Atualmente, com o retorno do conceito de terras paralelas na DC (o multiverso), ficou estabelecido que uma dessas terras (a "Terra 4") é uma realidade habitada pelos antigos heróis da Charlton Comics. Existe um plano para uma série chamada Multiversity, a ser escrita por Grant Morrison, envolvendo várias dessas terras paralelas, e uma das edições seria dedicada a Terra 4, uma estória "reinventando Watchmen" usando novas versões dos heróis da Charlton. Segundo Morrison, a visão de mundo do Questão nessa estória seguiria as idéias da lógica da dinâmica de espiral.
A seguir: O guarda costas...