Presságio

UARÉVIEW
por Rafael Rodriges


Desde que assisti Cidade das Sombras (Dark City, 1998, não confundir com filme recente que foi traduzido com o mesmo nome), sempre tento acompanhar o trabalho do diretor Alex Proyas, pois achei o filme extremamente foda. Meu pai não entendeu lhufas do filme na época e ficou boiando, mas eu achei o máximo. Em Eu, robô, o impacto não foi tão grande, talvez por não ter sido uma história exatamente original, mas ainda assim achei um filme bem bacana, principalmente por causa dos contextos metafísicos e espiritualistas presentes no filme. Aliás, utilizar a ficção científica para trazer à tona as clássicas histórias presentes nas religiões (principalmente as religiões cristãs) é o que aparentemente Proyas faz melhor.

O que nos traz a Presságio. No filme, o personagem de Nicolas Cage é um professor de astrofísica, cujo filho com problemas auditivos estuda na mesma escola onde, 50 anos antes, crianças fizeram desenhos que foram enterrados numa “cápsula do tempo”, para serem desenterrados no futuro. Quando chega o momento deles serem desenterrados, os alunos pegam um desenho cada um, mas um dos garotos (não por acaso o filho do personagem de Nicolas Cage) recebe não um desenho, mas uma sequência de números desenhadas num papel por uma das alunas. O personagem de Nicolas Cage acaba descobrindo que a sequência numérica relata datas de grandes tragédias – como o 11 de setembro – e o exato número de mortos. De todas as datas, apenas 3 ainda não aconteceram. Cabe à ele tentar desvendar os códigos antes que seja tarde.


Os primeiros 30 minutos de filme fazem você pensar que ele é só um filmeco de suspense estilo “Número 23”. Mas conforme a história vai se desenvolvendo, ela vai ficando cada vez mais esquisita e imprevisível, e muitas vezes você se pergunta se a história vai realmente levar à algum lugar. Mas leva. À um lugar que eu, sinceramente, não esperava que levasse. O final do filme é, de certa forma, bastante imprevisível, porque não imaginava que o diretor fosse ter coragem de fazer o que aparentava ser um thriller tipicamente hollywoodiano ter um final tão ousado. Ousado e metafísico, como os outros filmes do autor.

Sutilmente, o autor usa da ficção para trazer à tona conceitos religiosos enraizados no inconsciente do mundoocidental, e nos traz um final que, apesar de completamente estranho para os padrões hollywoodianos, inconscientemente faz muito sentido para qualquer um de nós, uma vez que é o fim que aprendemos desde pequenos. Ou o começo. Isso é algo que só fará sentido quando vocês assistirem o filme, e sinceramente não quero estragar nada dando spoilers, então os curiosos terão de ver o filme, pois não contarei o final. Mas para mim ele é apoteótico – uau, não lembro de já ter usado essa palavra antes em toda a minha vida – e justificou o filme inteiro.

O filme é muito bem dirigido, e as cenas dos desastres, se vistos no cinema (imagino eu, porque vi em DVD), devem ter sido de encher os olhos. Proyas consegue captar toda a tensão, surpresa e confusão das cenas, fazendo com que pareça que o espectador está dentro do filme. Para quem gosta de filmes mais “massa veio”, no entanto, pode achar o filme meio chato, pois ele demora a engrenar.

Mas talvez o principal problema do filme sejam muitas referências não óbvias. Proyas age em seus filmes de forma semelhante à Grant Morrison em muitos de seus roteiros, e isso pode assustar o espectador comum. Aliás, acho que é seguro dizer que Alex Proyas é o Grant Morrison do cinema. Assim como Grant Morrison, Proyas espera que as referências falem por si, sem que se precise explicá-las passo a passo. É até uma iniciativa bacana para aqueles que preferem filmes que te fazem pensar junto com a trama, e não aqueles filmes que entregam tudo mastigado, como é o caso de 90% das produções americanas da atualidade. Mas o problema é que, num filme de ficção científica que tenta “justificar” em forma de pseudociência e realismo fantástico nossas crenças religiosas, é difícil imaginar espectadores que conheçam a fundo a bíblia a ponto de entenderem referências muito sutis. Apesar do desfecho ser bastante claro em termos referenciais, há certos detalhes que ficam “perdidos” durante a produção, caso a pessoa não tenha um maior conhecimento de alguma religião judaico-cristão.

Um bom exemplo é a cena em que o personagem de Nicolas Cage descobre onde viveu a menina que escreveu os códigos nos últimos dias de sua vida. O lugar é lotado de referências, e uma ilustração que se encontra lá, de cunho religioso, se refere especificamente à um trecho do antigo testamento. Perceber essa relação torna a compreensão do que está acontecendo muito mais fácil, mas é preciso um conhecimento religioso um pouco mais aprofundado para saber do que se trata aquela ilustração apenas olhando para ela, sem nenhuma indicação ou explicação. Mesmo assim, creio que esses detalhes não devem interferir na compreensão geral da trama, mas a tornam mais sólida.

Eu recomendo e muito esse filme. Não é um filme padrão Hollywoodiano (apesar de parecer um), e será necessário um pouco de esforço para conseguir ligar os pontos e fazer o filme funcionar, então não espere nada mastigado. É uma pena que a película tenha sido mal recebida nas bilheterias (mas isso é comum com os filmes que eu costumo gostar).

A vida de Rafael Rodrigues é uma justificativa em forma de pseudociência e realismo fantástico de nossas crenças religiosas.

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