O rock derrotado


por Rafael Rodrigues

Obs: Este texto é extremamente PESSOAL e não pretende julgar ninguém. Gostos, cores e amores não se discute.


A arte é dita como uma manifestação cultural que serve como forma de expressão. Por essa razão, é seguro dizer que, para você ter o que expressar, precisa também ter o que dizer. Digo mais, para fazer arte, você precisa discordar. Afinal, se arte é uma forma de expressão, porque você se expressaria sobre algo, quando você concorda com todo o mundo? A arte é a voz interior da humanidade, e quem faz arte são seus porta-vozes. Mas a arte, assim como o ser humano, precisa de motivação, uma válvula motriz, um motivo. Tanto é que, dizem alguns mais entendidos que, se houver uma utopia, a arte não estará nela. Para a arte existir, o artista tem que estar perturbado; seja por um sentimento, por uma opinião discordante, por não ter respostas. Por extensão, a arte pode servir como forma de protesto, como uma arma para subverter os paradigmas vigentes, um instrumento para mostrar que somos seres pensantes e temos opinião.

Renaissance


Toda essa introdução foi apenas para mostrar que, não importa o quão simples parece uma obra de arte, ela sempre terá um significado – para o bem ou para o mal. Com a música, e principalmente com o Rock, não é diferente.

Desde que o Rock surgiu, ele teve um objetivo muito específico: ser a voz dos jovens frente aos pais. Chegou para trazer rebeldia, para dizer que os filhos tinham opiniões, e queriam um mundo diferente. Como o próprio nome diz, o “Rock” chegou para “abalar”. Como todas as manifestações culturais, o Rock’n Roll evoluiu, cresceu, se misturou e se transformou através das eras, mas sem perder sua identidade e sua principal característica. O Rock talvez não era nada além de um cão de caça, mas mesmo assim, porque não poderia ser verdadeiro?

Elvis Presley


Chuck Berry


No filme “Escola do Rock”, o personagem de Jack Black explica para as crianças que “o Rock surgiu como uma arma para enfrentar o homem”, trazendo uma piada simples, mas muito bacana atribuída à isso. Mas quem é o “homem”? Não é “quem”, e sim “o que”. O homem é o “sistema”. E o sistema é tudo aquilo que tira nosso livre-arbítrio, nossa capacidade de decidir por nós mesmos. É aquilo que cala nossa voz, que não dá importância para nossos sentimentos, que ignora nossas perguntas. O sistema pode ser nossos pais, nossos professores, nosso governo. Pode ser um dogma. O sistema pode ser até nós mesmos. O “sistema”, não é uma pessoa, organização, empresa ou instituição; é uma idéia. E, se o sistema é uma idéia, o Rock sempre foi um Ideal. E era o ideal de uma geração. Uma geração que sabia que, para tudo, havia o tempo certo.

The Byrds


The Who


O Rock, assim como toda manifestação cultural, é uma extensão da vontade das pessoas de “chacoalhar as coisas”, de mudar, de evoluir. E, a cada evolução pessoal, o ideal se expande e se torna algo diferente. De apenas rock’n Roll, nós passamos a ter doo woop, rockabilly, hard rock, punk rock, heavy metal, pop rock, country rock e muitas outras definições, ampliando os horizontes, mas mantendo o ideal. Algumas delas chamaram a atenção pelos passos de dança, polêmicos para a época; outros, pelas letras, poéticas e reflexivas; algumas esqueceram a letra – e a habilidade – e passaram a acreditar na atitude, enquanto outros criavam sons ruidosamente mirabolantes para, literalmente, sacudir o cérebro do ouvinte. Eu passei por muitos desses estilos e há muito, muito tempo atrás, eu ainda conseguia lembrar como aquelas músicas me faziam sorrir.

Don Mclean


Led Zeppelin


No entanto, durante toda a história do Rock, o objetivo de combater o sistema permaneceu o mesmo. Pode-se dizer que o Rock sempre teve a intenção de mudar o mundo sem necessariamente mudar nada. E, por muito tempo, foi isso o que ele fez. O Rock era a voz dos jovens que queriam que as regras mudassem. Jovens que não aceitavam as coisas como elas eram, que acreditavam que as coisas poderiam ser diferentes. Jovens que não se sentavam num trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar.

Raul Seixas


Hoje eu me encontro tentando entender o popular “movimento” emo atual. Sei que esse movimento é alvo de muitas críticas e gozações, mas eu já há um bom tempo tento entender o significado dele dentro do mundo de hoje, por isso decidi escrever este texto e compartilhar com vocês. Afinal, qual o pior que eu poderia dizer?

My Chemical Romance


Para quem já tem uma certa idade, é fácil perceber que a arte – e a música não é exceção – sempre encontra sua maior expressão em tempos turbulentos. Não é à toa que, no Brasil, o Rock dos anos 80 foi tão importante para a história do país, por exemplo. Em conturbados tempos de gradual abertura política, os jovens se perguntavam se era disso que eles necessitavam e tinham consciência que não sabiam escolher presidente, nem tomar conta deles mesmos, e que tinha gringo pensando que eles eram indigentes.

Ultraje a Rigor


Titãs



Em outras épocas, mais “calmas”, no entanto, o rock encontra sua fase mais “fraca”, onde sua energia parece num estado de animação suspensa, até que as coisas se agitem novamente. Eu poderia dizer que hoje, vivemos num desses períodos de calmaria, o que explicaria os fracos batimentos cardíacos do Rock atualmente.

Mas não parece ser esse o caso.

Analisando o tal “movimento” emo, eu cheguei à uma conclusão que, confesso, me perturbou bastante: A batalha do Rock contra o sistema acabou. E o Rock não foi o lado vencedor. Pelo menos é o que nos deixa a entender essa nova onda “emo”. Pensamentos derrotistas, letras em que não há poesia, não há atitude... Há apenas uma espécie de conformismo e aceitação das coisas como elas são. Esse não é o rock com o qual eu convivi durante quase 3 décadas. Não é o rock que meus pais nem que os meus avós escutavam. Nem parece ser, a rigor, Rock no estrito senso da palavra. Não vou mentir; me senti deprimido. Como se cada poça dessa rua tivesse um pouco de minhas lágrimas.

Fresno


Me lembro de bandas que tinham letras “para baixo” no passado, mas nem de longe elas poderiam ser comparadas às letras emo de hoje. Um exemplo mais nacional era a banda Legião Urbana. Mas – e isso não é típico papo de “velho” – as coisas eram um pouco diferentes. Havia certa poesia, havia muita crítica, havia reflexão nas letras. Não eram músicas exatamente depressivas, elas eram mais... Melancólicas. E a melancolia nesse caso era, ora uma forma de mensagem, ora um momento de respiro, uma pausa antes que o próximo rock te atingisse com a força de uma tempestade e quisesse fazer você querer mudar o mundo novamente. Não foram músicas sem significado, nem foi tempo perdido.

Legião Urbana


Mas hoje eu não vejo atitude, vejo falta dela. Uma geração que por algum motivo, entendeu que levar na cabeça apenas faz parte, e que se tem que aceitar isso como parte da vida. Aceitar as coisas como ela são.

Mas, se os jovens hoje aceitam as coisas como elas são, isso significa que eles não tem mais nada para dizer? Não há discurso? Será que todos os problemas, da sociedade, da vida e da alma já foram resolvidos? Não é o que eu vejo daqui.

Eu, hoje, “velho” que sou, posso me considerar como parte do “sistema”. E digo mais: Hoje, eu sou o sistema. Eu olho para esses jovens e vejo que venci. Numa batalha que durou gerações, eu, o sistema, saí vitorioso. Eu devia estar contente por isso. Mas não estou.

Ao invés disso, apenas me sinto...

Sinto... Muito.

Johnny Cash

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