O caso Rafinha Bastos, e o Politicamente Incorreto

E hoje é dia de polêmica no Moura em Série.


Essa semana repercutiu em todo o país o afastamento temporário de Rafinha Bastos do CQC devido a uma “piada” feita com a cantora e neta de Francisco, Wanessa (Camargo).



Acontece que a garota é esposa de um pica grossa da publicidade, e sócio de Ronaldo, que não gostou nada da brincadeira do gaúcho e ameaçou foder toda a publicidade do programa. Como imaginado, Rafinha foi afastado da atração.

E aí, que tal esse politicamente incorreto? Aliás, esse tipo de piada é ser politicamente incorreto?


Eu reclamo muito que o “politicamente correto” está acabando com toda a diversão. Piadinhas família, humor do bem, bordões aos borbotões. Mas claro que existe uma onda que acaba indo contra a maré e quer ser “politicamente incorreto”. Entretanto, como qualquer onda, o termo acaba se perdendo na maré e muita merda vindo com a correnteza.

Se o politicamente correto é muitas vezes hipócrita – e dentro de si mesmo preconceituoso, afinal trocar o termo negro por afro-descendente é julgar o próprio termo negro como ofensivo – os defensores do politicamente incorreto acabam perdendo a mão ao tentar se opor a essa atitude.

Resumidamente, na minha humilde e sempre correta opinião, ser politicamente incorreto deveria ser combater a hipocrisia social, desmascarar preconceitos e derrubar paradigmas obtusos impostos.

Mas ao contrário, tem sido usado como desculpa para simplesmente ser babaca.

Esse ano eu fui ao stand-up de dois humoristas que participam do Comédia MTV. Fui empolgadão porque adoro o programa e inclusive rio muito com os dois supracitados comediantes. Qual foi minha surpresa ao perceber que ao invés de piadas, eu ouvi uma sucessão de palavrões. Só o termo “dar o c*”, um deles repetiu ao infinito e além. Todas as piadas tinham como base simplesmente um palavrão e um gancho besta. As risadas vinham, eventualmente, mas me pareciam em muitos momentos forçadas e amarelas.

De boa? Falar palavrão e fazer movimentos erógenos citando a própria genitália o tempo todo não é humor. É apelação. Não é ser politicamente incorreto. É se imbecil.

Eu sou um tanto critico em relação a humor, até porque é meu gênero favorito. Um texto de comédia tem que ter o mesmo preparo técnico que um texto de drama, por exemplo. Ter conteúdo, e o que dizer.

Humor tem que ser agressivo? De forma alguma. Dizer isso é no mínimo simplista. Está aí Mr. Bean, Chaves, Chaplin, entre muitos outros, que sempre fizeram rir sem apelar ou ofender ninguém.

Existe sim o humor mais afiado, mais ferino. E eu gosto muito desse tipo de humor. Quem me conhece sabe o quanto sou adepto ao humor negro. Porém tem que saber diferenciar.

Existe uma imensa diferença entre crítica, zoação e ofensa.

O bom humor se faz com crítica. O humor divertido se faz com zoação. O humor de mau gosto de faz com ofensa.

O personagem Caco Antibes, do Sai de Baixo, era totalmente politicamente incorreto. Um elitista falido que odiava pobres e vivia fazendo piadinhas com as classes menos abastadas – mesmo que ele mesmo estivesse nessa situação.



O lance é que Caco era a caricatura dos esnobes brasileiros, da classe corrupta e mau caráter. Claro que as piadas de pobre eram hilárias, todas baseadas em costumes reais dos mais populares. Todo o PI de Caco era na verdade uma critica a si mesmo.

É o que acontece com personagens da internet como Cleycianne e Eu Sou Ryca. Politicamente incorretas até as tampas, ambas as personagens são na verdade, críticas a si mesmas. A primeira usa seu blog para criticar famosos que vão contra a palavra de Deus, numa crítica explícita aos fanáticos religiosos. A segunda repete o estilo Caco Antibes ao usar a personagem Norma – com o avatar da minha, só minha, Carolina Ferraz – como uma ricaça que tem nojo de gente pobre e brega, ou quem ela julga assim.

Claro que tem muita gente que não entende a piada. Basta olhar a quantidade de gente que se indigna com os comentários da Cley, assim como fanáticos religiosos que acabam dando seu aval nos posts da personagem, acreditando ser uma pessoa real. O que, na verdade, só assina embaixo da piada.

Homer Simpson. A forma em celulose mais perfeita do PI. Beberrão, burro, irresponsável, mau pai, péssimo marido. E cheio de material a ser explorado. Simpsons é indiscutivelmente uma grande critica ao American Way – e sendo assim, toda a escrotidão do patriarca amarelo se justifica. O mesmo pode ser dito de Al Bundy, o mais vitorioso perdedor da TV americana em Married with Children.

Mesmo nos programas de esquetes, o Brasil já fez muito isso.

Viva o Gordo era genial. É até difícil acompanhar hoje em dia as reprises do canal Viva, pois todas as piadas eram muito contextualizadas com a realidade da época. Jô estava no seu mais ácido momento, atacando as mazelas do país recém saído da ditadura. O gordo aproveitou a recém conquistada liberdade de expressão para utilizá-la da forma útil. Expondo e ridicularizando tudo que havia de podre na Republica das Bananas.



Hoje o que eu vejo no Programa do Jô é uma sombra do que ele fora outrora. Em raríssimos momentos é perceptível o critico contundente, que ainda deve viver embaixo da cansada forma volumosa do apresentador. De resto, lhe sobraram piadas velhas ao fim do programa e entrevistas que pouco lembram seu auge.

E falando em bananas, O Planeta dos Homens também tinha todo essa aura contestadora. Quer mais PI do que o Costinha vestido de padre?



Percebeu a sutileza da sacanagem? Costinha dando aquela sacaneada, sem ser explicito ou ofensivo.

E hoje? Hoje temos o Zorra Total. Piadas sem graça, repetidas e bordões vergonhosos.

E não posso falar em politicamente incorreto sem citar aquele que começou baseado nisso e acabou virando um pequeno esgoto a céu aberto.

Casseta & Planeta era crítico e contundente, vindo da junção dos politicamente incorretos “Casseta Popular” e “Planeta Diário”. Se já tive a oportunidade de ver matérias em que os cassetas se embrenharam em plena favela da Rocinha com direito a chegar a fazer a seguinte piada:

O casseta pergunta a uma criança na favela:

-Cadê a orelha?

-Tá aqui (apontando pra orelha).

-E o nariz?

-Tá aqui (apontando pro nariz).

-E a boca?

-Ali, na rua de baixo.

Anos depois tudo que podíamos ver eram piadas com peidos, paródias sem graça das novelas e produtos Tabajara roteirizados por crianças de cinco anos.

E são os mesmos caras que escreviam humor pesado como Dóris para Maiores e TV Pirata.

E um companheiro de Rafinha no CQC fez um dos espetáculos mais politicamente incorretos que eu já vi. E esse sim pode assumir esse termo, tanto que é o nome do show de Danilo Gentilli, apresentado em Brasília em época de eleição!



ISSO É SER POLITICAMENTE INCORRETO.

O “ataque” com embasamento é crítica. Se for gratuita, é só ofensa.

E ofensa não tem graça.

Ofender fulano e sicrano ou beltrano, martelar piadas racistas, sexistas ou discriminatórias, só faz o preconceito se tornar socialmente aceitável. 

Liberdade de expressão não pode ser desculpa para falar sandices e disseminar a ignorância. Use a sua para dar sua opinião e contestar.

Mas voltando ao Rafinha, acho que toda essa polêmica foi exagerada. Rafinha sempre ousou, pisou na bola algumas vezes, errou a mão, forçou a tanga, mas nos mostrou que é sim um cara com consciência social. Vide suas criticas ao Bolsonaro e afins, alem de seu trabalho sensacional no comando de A Liga.

É hipócrita e injusto crucificarmos o humorista por uma bola fora, sem a menor intenção de incentivar qualquer coisa. Disse o que disse com a intenção de arrancar algumas risadas com o comentário chocante. Isso não faz dele um pedófilo. Assim como as piadas de Didi com Mussum não faziam de Renato Aragão um racista.

Rafinha Bastos só esqueceu, nesse caso, que humor negro tem que ter um item, imprescindível: Graça.

E o que Rafinha fez não foi uma piada. Foi um comentário idiota.



Antes de terminar, um vídeo pra finalizar. George Carlin. Politicamente incorreto até os ossos.

Genial até a alma.



Aprendam comediantes.



Até o próximo episódio.

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