Uaréview
Por Rafael Rodrigues
"Não é o bastante ver que um jardim é bonito sem ter que acreditar também que há fadas escondidas nele?"

O título deste post é provocativo, eu sei. Mas não podia ser diferente, pois é o título de um livro ainda mais provocativo, o que torna esta resenha, além de também provocativa, talvez um pouco controversa. Mas não tem como escapar: É exatamente disso que se trata Deus, um Delírio.
Falar sobre religião, não importa dentro de que grupo (pode ser de pessoas de baixa renda que não tiveram educação adequada ou pessoas cultas que estudaram nas melhores universidades do mundo), é sempre pisar em ovos. Isso porque, muito embora tenhamos evoluído para perceber os

Falar sobre religião na internet então, que conta com uma infinidade de pessoas que, pelo simples fatos de poder esconder suas identidades atrás de uma tela de computador, ganham coragem para desferir os mais variados tipos de impropérios sem nem ao menos tentar interpretar o que foi dito, é uma tarefa de certa forma ingrata. Apesar de eu ter tido a sorte de contar com leitores e comentaristas, dentre teístas e não teístas, coerentes e intelectualizados o suficiente para garantir uma ótima discussão na resenha de Nosso Lar, Pedro de Biasi, no site Pipoca Combo, não teve a mesma sorte e sua resenha, que foi estritamente profissional e se concentrou na crítica ao filme, teve de encarar comentários atravessados de gente que provavelmente leu a crítica e não a interpretou corretamente. Ou talvez sejam pessoas que não estejam acostumadas a ser contrariadas, e entram em colapso quando isso acontece. Em qualquer um dos casos, fiquei chateado de ler uma boa e imparcial crítica sobre o filme, e ter de ler comentários de gente que aparentemente vêem qualquer coisa como uma ameaça à sua crença. Infelizmente, esse cenário é lugar-comum na internet (e na vida real também, mas isso não vem ao caso agora).
Estes dois parágrafos, acreditem, são apenas uma introdução para expressar os motivos que me levaram a fazer uma resenha deste livro que tem gerado polêmicas por onde passa e que chegou ao Brasil recentemente: Deus, um Delírio (The God Delusion, no original), de Richard Dawkins.

São estas e várias outras indagações típicas que conduzem o livro que, sendo pró-ateísmo, obviamente contesta todas as respostas atribuídas à providência divina. Escrito com o objetivo óbvio de ser uma alternativa para aqueles que não simpatizam com nenhuma religião num mundo onde a maioria esmagadora possui convicção em alguma, Deus um Delírio tenta demonstrar que ser ateu não é vergonhoso quanto as pessoas gostam de apontar. Muito pelo contrário; é um atestado de sanidade.
O livro se foca principalmente nas três “principais” religiões monoteístas (Cristianismo, Judaísmo e Islamismo), para demonstrar o quanto estas crenças são frágeis se colocadas à luz de uma análise crítica, ponderação racional e da relatividade histórico-social, evidenciando o quão absurdo o absolutismo religioso deveria soar hoje para a maioria das pessoas, embora isso não aconteça. Dawkins vai além e não critica apenas os fanáticos fundamentalistas, mas principalmente a religião propriamente dita, defendendo que o fundamentalismo é um subproduto direto da religião, seja ela moderada ou não. Além disso, defende a que as crianças sejam educadas para pensar por si mesmas e deixem de ser rotuladas de “crianças cristãs”, “crianças muçulmanas”, uma vez que elas não têm idade suficiente para saber no que acreditar (e que decidam suas inclinações, religiosas ou não, quando tiverem maturidade para isso).

Deus, um Delírio deve ser lido, então, como uma resposta à nações predominantemente religiosas e onde essa predominância interfere em questões sociais e pessoais relevantes, como aborto, homossexualidade, preconceito, educação, liberdade e amor à vida (que, abrindo um parêntese, Dawkins descreve bem no livro a visão reducionista da expressão pela maioria dos religiosos, onde amor à vida = amor à vida humana). E ainda consegue nos fazer ver os pontos positivos da religião, onde ela deveria se encaixar na sociedade como deveríamos aproveitá-la, além de uma descrição entusiasmada sobre as descobertas científicas e a complexidade da vida, numa verdadeira declaração de amor à ciência e à racionalidade humana.
Obviamente, um leitor mais crítico pode discordar de alguns pontos colocados pelo autor (como no meu caso), mas não é por isso que a obra perderá seu valor. Diferente das Escrituras, esse não é um livro que se suponha que deva ser levado como verdade absoluta, então não vai haver uma chuva de fogo e enxofre ou uma turba de fanáticos pela evolução querendo, literalmente, sua pele se você discordar racionalmente. Mas vai fazer com que você exercite o maior dom que o ser humano possui: Pensar.

Tiras geniais de Carlos Ruas no site Um Sábado Qualquer
No fim das contas, correndo o risco de parecer segregatório com os leitores, Deus, um Delírio não é recomendado para teístas, nem crentes de alguma religião. É sério. Sejamos realistas, fé é um tipo de convicção que, se você já é adulto e continua com ela, não vai desaparecer por conta de um livro. No máximo, vai fazer você ficar irritado com o autor, o que não vai adiantar nada, uma vez que ele é mais respeitado que você (inclusive por diversos teólogos). Em contrapartida, recomendo fortemente o livro para os que estão “em cima do muro”, aqueles que não se interessam por ou não se encaixam em nenhuma religião, que tem dúvidas sobre a existência de uma divindade ou que já descrêem dele, mas tem vergonha ou medo de admitir isso em uma sociedade predominantemente religiosa.
Deus, um Delírio foi lançado aqui pela Companhia das Letras ao preço de R$ 59,90 (Sim, é um valor meio alto, por isso mesmo não recomendei à todos os tipos de leitor, afinal gastar 60 paus num livro que vai contra o que você acredita não deve ser legal). Um livro impressionante, polêmico, provocador, inteligente e crítico, que merece ser lido. Mas tente não levar para o lado pessoal.
Em tempo: O livro é dedicado ao autor Douglas Adams, que escreveu O Guia do Mochileiro das Galáxias, de quem Hawkins era, além de amigo, grande admirador (e também o autor da frase no início deste post).
Nota: 9,13
Rafael não é ateu por convicção, por decepção ou por revelação, mas sim por conclusão.