MOURA EM SERIE
Não poderia ser diferente. Os Normais 2 estréia no cinema e o Moura em Serie (ou série? Maldita reforma ortográfica) dessa semana fala sobre a gloria deste que foi o melhor programa de humor dos últimos anos na televisão brasileira.
De médico e de louco, todo mundo tem um pouco. E de perto, ninguém é normal.
Essa é a premissa básica de Os Normais. Falar das pequenas maluquices de nossa vida, maluquices absolutamente normais, mas que vistas de perto são completamente absurdas e hilárias.
Se você morou em Marte nos últimos 10 anos ou então preferiu ficar fumando maconha na praça porque a televisão é uma coisa que aliena a população, vai aí um pequeno resumo:
Rui e Vani são noivos. Ponto final. Desse plot eles vivem o dia a dia absurdo que, pensando bem, todos nós vivemos. Mas esse cotidiano, colocado na tela e com o exagero da comédia, aliada ao talento e simbiose de Luis Fernando Guimarães e Fernanda Torres, geram uma das melhores comédias que já pude colocar os olhos em cima.
Pra começar, tem a química entre o casal protagonista. Os diálogos entre eles era o principal cerne do humor da trama. Seja indo alugar um filme, preparando uma festa surpresa ou discutindo sexo e relacionamento, tudo que sai da boca dos dois é simplesmente hilariante.
Rui é o típico homem mediano. Um tanto machista, porém covardão ao enfrentar a mulher, tudo que ele quer é evitar incomodações e manter a vidinha numa boa, de forma simples. Logicamente, como todo homem, tem milhões de paranóias secretas, desde o medo de a mulher ver seu “órgão” em estado relaxado, a necessidade de auto-afirmação ou os pequenos rituais que quase todo homem mantém – desde sua jornada matinal até a arte da conquista. Ele normalmente age na defensiva, gosta de posar de malandro, mas acaba bancando o bundão a maioria das vezes. Convenhamos, como quase todos nós, homens.
Vani é mais neurastênica. Agitada, elétrica, cheia de manias, neuroses, incongruências. Vani é ciumenta, carente, insegura. Faz tudo para chamar a atenção de Rui e também não hesita em ameaçar a integridade física do noivo sempre que ele a tira do sério – mesmo porque a psicológica já está bastante afetada pela convivência com ela. Ela tem atitude, costuma mudar de opinião e atitude repentinamente, age como uma maluca e pode ser uma verdadeira vaca quando quer. Convenhamos, como quase toda mulher.
É se baseando nesses estereótipos que são, sim senhor, uma caricatura bem fiel ao retrato da realidade, que Fernanda Young e Alexandre Machado, o casal (de verdade) de roteiristas da série, tira a graça das piadas. Quem nunca se reconheceu em uma das situações que Rui e Vani se meteram durante as três temporadas do programa?
A série estreou em 2001 nas sextas globais, e foi uma pequena revolução. Digo isso porque foi um dos poucos – senão o único – programa da TV aberta que trouxe de volta o humor escrachado e sem grandes limitações que podíamos ver em atrações da década de 80 como o TV Pirata. Olha, arrisco dizer que Os Normais ousou ainda mais, usando de piadas de cunho sexual, escatologia e cutucando uma série de preconceitos sociais de forma natural. Ao mesmo tempo em que tinha centenas de citações sobre sexo e piadas maliciosas, jamais se tornou vulgarizado como as semi-nuas de programas “família” como Zorra Total e A Praça é Nossa.
Logo a série estava na boca do povo. Não havia quem não conhecesse o casal.
A abertura com o tema Doida Demais, cantada por Lindomar Castilho, mostrava uma seqüência com fotos de vários anônimos – esquisitos pra caramba, mas absolutamente normais, diga-se de passagem – finalizando com a dos protagonistas.
As chamadas do programa então, eram um show a parte. Rui e Vani faziam de tudo para convencer o publico a ficar em casa na sexta à noite para assisti-los. E não é que deu certo? Os Normais foi a maior audiência de um seriado de sexta-feira na Globo.
Eu nunca esqueço das chamadas da Copa em que os dois avisavam a mudança do dia da apresentação do programa.
Bom, como aqui no Brasil ainda não foi adotado um sistema padrão de temporadas como é feito nos esteites, as temporadas tem quantidades de episódios variadas. A primeira, teoricamente, duraria apenas 12 episódios. Entretanto a ótima aceitação do público acarretou na produção de 26. A segunda temporada contou com 28, e a terceira e ultima, 17.
Raramente algum personagem coadjuvante se repetia na trama, ao contrario dos atores, que fizeram varias participações interpretando personagens diferentes, como Claudia Raia, Débora Bloch e Julia Lemmertz. As exceções foram Aldo, um amigo cafajeste de Rui vivido por Diogo Vilela; Samla, Maria Luisa Mendonça (a Buba) amiga problemática de Vani; Rique, feito por Marco Ricca, um chato pegajoso; além de Bernardo e Maristela – Selton Melo e Grasilela Moreto – personagens esses que se tornaram recorrentes na ultima temporada do programa.
Aliás foi nessa temporada que a série perdeu um pouco o fôlego. Acho que exatamente por tirar o foco dos dois protagonistas – criando uma trama paralela com Bernardo e Maristela, além de Aldo eventualmente – as piadas foram perdendo um pouco da graça. Nada a ver com o talento de Selton e Grasiela, dois dos melhores atores da atualidade, mas sim com o próprio roteiro que aparentemente foi perdendo o foco.
Outra coisa que me faz pensar que o humor perdeu um pouco da sutileza é a narrativa.
Se nas primeiras temporadas os personagens conversavam com o publico fazendo considerações sobre o que estava acontecendo na cena, quase como um pensamento, conforme o tempo foi passando eles começaram a agir sabendo que estavam em um programa de televisão até por fim focarem um episodio quase que totalmente no fato de Os Normais ser um programa.
Na minha humilde e sempre corretíssima opinião, perde-se aí todo o sentido da série, que tinha por objetivo ser sobre coisas normais do dia a dia levadas ao extremo. Isso me parece muito recurso de falta de assunto. Seinfeld, Friends, I Love Lucy ou mesmo A Grande Família jamais precisou insistir em piadas que quebra de quarta parede repetidamente para fazer rir.
Os últimos episódios alias foram apenas em cima disso, chegando a serem irritantes até certo ponto. Ao invés de fechar a narrativa que perdurou por todas as temporadas, simplesmente repetiram a exaustão piadas sobre o fato de estarem em uma série de televisão.
Os Normais terminou no auge, com a audiência lá em cima e a qualidade jamais comprometida gravemente, apesar de alguns episódios aquém dos primeiros. Entretanto, outros são simplesmente obras primas do humor.
A culpa alias, dessa perda de assunto e de rumo é exatamente do costume da televisão brasileira em produzir trocentos episódios de uma comédia – ou qualquer outra dramaturgia – até secar a fonte. Sendo um programa semanal, se tivesse temporadas de 16, no máximo 20 episódios, dentro de um planejamento, provavelmente o texto se manteria mais coeso. É muito difícil preencher meia hora de piadas inéditas – e engraçadas - por semana.
Logo no final do programa estreou Os Normais, o Filme. Eu, pessoalmente, gostei muito mesmo. Apesar da cara ainda televisiva do filme, parecendo um episodio estendido, todo gravado em cenário, o fato dele se passar antes da série deu uma dinâmica muito diferente do que se via na televisão, com um clima de comédia romântica, quase inédito no produto original. Além do que Marisa Orth e Evandro Mesquita formaram com Luis Fernando e Fernanda Torres um quarteto perfeito.
O mais legal disso tudo é que Os Normais virou uma marca de sucesso. O segundo filme está nos cinemas, e já conta com o primeiro lugar em bilheteria nessa semana de exibição no Brasil.
Além disso, há uma grande possibilidade do retorno da série, em temporada pequena, para matar a saudade do publico, na Globo. Mas essa historia de temporada curta eu já vi antes...
Ainda tem o fato que a Globo negocia com a Sony a produção da versão americana de Os Normais, para a terra gringa.
Fato: por mais que alguém torça o nariz, é inegável a qualidade do programa, e principalmente, dos atores. Isso se prova nas cenas finais dos episódios – sabe quando as letrinhas aparecem e, em Friends, por exemplo, sempre tem aquela ceninha adicional? Em Os Normais a ultima cena era sempre improvisada pela dupla, e rendia os melhores momentos.
Bom, como fã de carteirinha, e vos digo: Os Normais é foda demais!
Um abraço e até o próximo episódio!