"Talvez eu e meu corpo formemos uma conspiração pelas costas de minha própria mente."
Friedrich Nietzsche
Quando eu era criança, estudava em uma pequena escola no meu
bairro (comentei isso por alto no Podcast sobre os tempos de escola). Os fundos
da escola faziam divisa com um terreno baldio e, por estar assim há bastante
tempo, coberto por muito mato, sujeira largada por lá e animais peçonhentos (e
provavelmente alguns humanos peçonhentos também). Era muito fácil para nós, alunos, pular dos
fundos da escola para o terreno baldio e isso era um problema para as professoras.
Até que um dia um grande buraco apareceu “da noite para o dia” no meio do
terreno. Ninguém sabia exatamente o que era aquilo e o que havia acontecido. Em
algum momento, surgiu o boato de que coisas estranhas aconteciam naquele
buraco, como fumaça saindo do fundo, coisas luminosas rodando o lugar e até
espíritos de uma mulher carregando um bebê pipocaram pela escola que, por ser
pequena, teve estes rumores espalhados de forma absurdamente rápida. Até as
professoras confirmaram terem visto algumas das coisas que se diziam ter visto
por lá.
A coisa tomou uma proporção tão grande que os alunos ficaram assustados de verdade, o que obrigou as professoras a abrirem o jogo: foi tudo um
boato inventado por uma delas, de forma automática e inocente, a fim de evitar
que as crianças continuassem indo para o terreno baldio (e consequentemente,
arriscassem se ferir). É claro que ninguém acreditou na história; todo mundo
estava convencido de que os rumores sobre o buraco era verdade, e que as
professoras estavam apenas querendo abafar a situação. Até que, um dia, o
buraco foi fechado. Assim, sem mais nem menos. E, após alguma especulações
durante um tempo, eventualmente quase todo mundo esqueceu da história (ou, se
não esqueceu, pelo menos parou de levar tanto a sério).
É claro que as professoras não esperavam um simples comentário para tentar inibir as crianças de ir para o terreno baldio fosse tomar proporções tão
absurdas. Mas este é um bom exemplo do que acontece quando as pessoas são
facilmente impressionáveis e possuem a tendência a acreditar em qualquer coisa. É claro que aqui estamos falando de crianças, que logo deixarão estas ideias de lado. Mas e quando acontece com adultos?
Isto vai de encontro a teorias a respeito de como surgem as superstições,
que evocam experimentos feitos por B.F Skinner com pombos nos anos 30, onde um pombo dentro de
uma caixa, ao ficar desesperado e com fome, bicou sem querer um botão, e assim
recebeu comida. Mais umas duas vezes fazendo o mesmo, ele passou a “pensar” que
toda a vez que o botão fosse bicado, ele receberia comida. Mas o mais
interessante é que, mesmo quando ele não recebia comida, continuava bicando o botão mesmo assim. Isso nos dá uma boa base do pensamento supersticioso e nos ajuda a
entender um pouco sobre como funciona nossa mente. Mas o que superstição tem a
ver com teorias de conspiração? Bem, na verdade, tudo.
Nós, seres humanos, costumamos nos ver como diferentes dos
animais, estando inclusive num patamar “superior” a estes por sermos “inteligentes”.
Bem, isso tudo é muito bonito, romântico, até, mas com nosso conhecimento atual este pensamento não se sustenta. Embora
tenhamos características que nos diferenciem de outras espécies animais somos,
na verdade, regidos pelos mesmos instintos biológicos básicos de qualquer
criatura viva, sendo a principal delas a sobrevivência. Herdamos isso dos
nossos ancestrais primitivos e nossa própria sociedade, por mais complexa que
seja, ainda é criada considerando estas leis biológicas.
Na selva, diferente de nossa
sociedade (supostamente) mais segura, não dá tempo para analisar cada situação
particular. Parar para pensar, num cenário onde você está constantemente em
perigo de ser atacado por um predador (ou que, sendo predador, você está
constantemente sob a ameaça de não encontrar uma presa e passar fome), não é
só perigoso; é burrice.
Para garantir rapidez de julgamento num mundo onde perder
tempo pode ser fatal, os animais desenvolveram a capacidade de criar padrões que
permitem identificar facilmente um perigo ou uma oportunidade. Por exemplo: algo se mexendo
nos arbustos é sempre um perigo (mesmo que não seja, pense: é muito melhor achar
que é um predador e não ser do que achar que não é nada e ser devorado), um
reflexo de água, uma oportunidade. Foi assim que sobrevivemos e chegamos até
aqui. Mas, como todo modelo evolutivo, este também tem seu lado ruim; um padrão
criado a partir de uma falha de julgamento pode levar um animal a discernir
um perigo ou uma oportunidade de forma errada e, assim, aquilo que servia para
ajudar a mantê-lo vivo pode prejudicá-lo - e às vezes até matá-lo.
Em nossa sociedade complexa*, este “software criador de
padrões” que temos em nosso cérebro também pode tanto nos ajudar quanto nos
prejudicar. O que parece ser um vulto pode ser um intruso querendo roubar nossa casa... Ou pode não ser nada. É benéfico se ajudar você a tomar cuidado, mas
pode prejudicar (seu bolso, principalmente) se você decidir que o vulto é um
fantasma e pagar alguém para “exorcizar” sua casa**.
Este tipo de comportamento, embora não pareça, é semelhante
à crença em teorias de conspiração. Psicólogos comportamentais e estudiosos do
tema já conhecem este tipo de comportamento há um tempo. Nós, seres humanos, temos
uma obsessão profunda (e provavelmente evolutiva) por dar sentido às coisas.
Tudo tem que ter um sentido (dentro da nossa capacidade de compreensão). O
problema é que nosso mundo não é tão simples assim. E, num mundo complexo que frequentemente
não faz sentido (dentro de nossa concepção de sentido), tanto a superstição
quanto a teoria de conspiração surgem como formas de “resumir” o mundo, de dar significado a ele e de simplificá-lo. É claro que no mundo dominado pela tecnologia de hoje, e
onde provamos que tantas coisas, antigamente consideradas sobrenaturais, eram
muito naturais e até mundanas, a superstição começa a ser deixada de lado. Mas
nosso “software criador de padrões” e nossa obsessão por significados continua
firme e forte, e acaba apenas trocando o foco e sendo atraído para outro
caminho: o das teorias de conspiração.
Mas por que teorias de conspiração? Por que não outra coisa?
Bem, por diversos motivos, dos quais posso elencar alguns. Mas primeiro, é preciso
diferenciar os termos: Conspiração = reunião secreta de indivíduos com intenção
de prejudicar/tirar vantagem de alguém ou muitos. Dentro desse prisma,
conspiração é algo real, que aconteceu e acontece a todo momento. Já a “teoria
de conspiração” se refere às hipóteses de possíveis conspirações existentes. O
termo hoje em dia está bastante relacionado a conceitos como OVNIS e sociedades
secretas, mas existem teorias de conspiração de todos os tipos, desde alegações
de que celebridades não morreram até a ida à lua ter sido uma farsa, passando
por hipóteses sobre 11 de setembro e a morte de Bin Laden.
Em todas estas (e outras) teorias de conspiração, temos os mesmos
padrões: Partem de um pressuposto real (como, por exemplo, o
incidente em Roswell), o que ajuda a dar verossimilhança para a história, envolvem um cronograma sinistro (que, não raro, é
associado ao futuro/destruição da humanidade) que ajuda no caráter narrativo para despertar o interesse (quem não está interessado numa história de mistério sobre o futuro da humanidade?) e por último, mas não menos
importante, possuem lacunas que podem ser rápida e facilmente preenchidas e que não podem ser verificadas*** em
caso de contestação da teoria. Assim, acaba sendo virtualmente impossível ter
provas incontestáveis de que uma teoria de conspiração é falsa, quando as
evidências podem ser refutadas ou ignoradas simplesmente com a alegação de que
são “manipuladas”, “fabricadas” ou “fazem parte do plano de desinformação para
pensarmos que a conspiração não é real”. Na verdade, se trata de uma versão
mais complexa do experimento com o pombo que eu citei no começo: Se, numa
situação hipotética, outro pombo fosse colocado ali e pudesse perguntar por que
o primeiro está bicando o botão quando não é sempre que a comida aparece, este
provavelmente teria uma “desculpa” para manter a superstição: Ou não teria
bicado forte o suficiente, ou não teria bicado no ponto certeiro do botão, ou
ele precisa bicar e ciscar ao mesmo tempo. Enfim, explicações surgiriam eventualmente para justificar a crendice ao invés de simplesmente admitir suas falhas.
É claro que parece sacanagem dizer que teorias de
conspiração servem para simplificar o mundo quando muitas delas são
intrincadamente complexas. Mas a chave da teoria de conspiração não é sua
complexidade (os mitos de muitas civilizações antigas também possuíam um nível
de complexidade interessantíssimo; mas ainda assim continuavam sendo
explicações mais compreensíveis da realidade), mas sim o fato de que eles possuem
sentido para o público leigo (por isso é fácil para alguém que não entende de física espacial aceitar que uma bandeira não tremularia no vácuo do espaço e, portanto, a bandeira americana supostamente tremulando na lua seria uma prova de que a viagem foi forjada, pois esta é uma explicação simples, que parece fazer muito sentido). Para quem não acredita, pode parecer estranho, mas faz mais sentido
imaginar que um jovem doutorando em neurociência tenha sido manipulado para
matar diversas pessoas no cinema do que um jovem
simplesmente enlouquecer e resolver atirar em um monte de gente achando que é
o Coringa. O mundo é aleatório demais para ter o sentido
que queremos e, por vezes, também é decepcionante demais. É difícil suportar um
mundo onde centenas de vítimas morrem em um tsunami que não discrimina justos
de injustos, mocinhos de bandidos. É complicado admitir que não houve um grande
plano maligno ou um teste de uma arma secreta, e que foi simplesmente uma
tragédia caótica, aléatória, e o que é pior: inevitável. Assim, atribuir tais coisas a teorias de
conspiração nos ajuda, não só a dar sentido, mas a digerir um mundo que por
vezes é bastante difícil de engolir.
Mas afinal, é ruim acreditar em teorias de conspiração? Não necessariamente.
De fato, às vezes pode até ser divertido. Quem lê o Uarévaa sabe que eu sou
grande apreciador da teoria dos Deuses Astronautas. Também gosto de pensar que
Elvis e Jim Morrison não morreram e que Marylin Monroe foi assassinada porque tinha um caso com
o presidente. E, quem sabe uma dessas teorias que pipocam por aí não é verdade? (honestamente, adoraria descobrir que os tais OVNIS são mesmo naves pilotadas
por alienígenas. Seria, de longe, o maior acontecimento da história da humanidade). Conspirações
mais estranhas já ocorreram de verdade (como o Estudo da Sífilis não Tratada de
Tuskegee) e nunca poderemos ter certeza absoluta da inveracidade de muitas
das teorias populares que persistem até hoje.
Acreditar em teorias da conspiração, é claro, fica a cargo
de cada um. O objetivo deste texto não é definir o que é e o que não é passivo
de ser levado como verdade (até porque, quem sou eu para julgar?), e sim apenas esclarecer o tema à luz de estudos
vigentes e do conhecimento atual que existe sobre o assunto. Mas é importante termos ciência da facilidade com que temos de
enganar a nós mesmos, pois enquanto muitas vezes uma crença numa teoria de
conspiração pode ser inofensiva, em outras pode acabar se tornando um problema
e prejudicar a nossa vida e das pessoas ao nosso redor. Acreditem, já vi este tipo de paranoia acontecer com
pessoas do meu convívio pessoal (é claro que potencializados pelo uso de drogas,
mas enfim) e que hoje... Bem, essa é uma longa história e com certeza dará uma
ótima teoria de conspiração para contar aos meus filhos futuramente. Mas fica para outra hora.
*Eu evito chamar nossa sociedade de avançada porque,
convenhamos...
**É claro que aqui não entro no mérito, por exemplo, da
existência de coisas como espíritos; para efeitos de argumentação, parto do
princípio que é uma dessas duas coisas: um intruso, ou um engano da mente.
***Existe uma falácia lógica relacionada, chamada “deus das
lacunas”, mas eu não vou entrar em detalhes porque o texto já ficou extenso demais
– mas este e qualquer dos assuntos e estudos comentadas neste texto podem ser
encontradas em uma pesquisa na internet de forma relativamente fácil.